Um crime até hoje impune

Lyda Monteiro

A OAB-RJ realizou um ato no momento exato “em que a carta-bomba matou a secretária da OAB – 13.40h de 27 de agosto de 1980. São 30 anos e nada foi esclarecido. O ataque não era endereçado a ela, mais sim ao Presidente do Conselho Federal, Eduardo Seabra Fagundes. O crime que matou Dona Lyda Monteiro, até hoje continua sem solução. Ninguém sabe, ninguém viu!

A OAB, na figura do grande jurista Seabra Fagundes, sempre se pôs à frente na luta contra a Ditadura, e era para ele a Carta Bomba. Queremos que esse crime seja solucionado, bem como a bomba que felizmente não explodiu no Rio Centro, onde acontecia um festival de MPB com milhares de pessoas, mais sim no carro com dois militares, matando um deles.

Em 1980, bancas de jornais no Rio de Janeiro e em outros estados foram alvos do mesmo ataque. Ameaças sempre anônimas. Na época foi realizado uma passeata com 6 mil pessoas que se transformou em protesto contra a ditadura militar, ameaçando  os governos militares. Era o início do fim.

Os primeiros atentados datam de 1976, quando as bombas foram colocadas na OAB e ABI. A Igreja progressista foi atacada na figura do Bispo Adriano Hipólito que foi sequestrado, torturado e deixado despido com o corpo pintado de vermelho. Terrível audácia daqueles monstros. Com as ameaças anônimas, prédios e escolas eram evacuados diante das ameaças. Essa era uma tentativa de instaurar novamente um regime de terror. Felizmente não conseguiram.

Figueredo, o “Presidente da vez”, se “comprometeu” a elucidar esses trágicos acontecimentos, o que jamais ocorreu. O assassinato de Dona Lyda e outros crimes, jamais tiveram sua autoria esclarecida, mesmo depois de 30 anos.
A trágica morte de Dona Lyda, um símbolo da resistência, mereceu a homenagem feita pela OAB.




Projeto de Memorial dos estudantes mortos e desaparecidos na ditadura militar

PELA MANHÃ

No dia 18 de agosto de 2010, reuniu-se no prédio da Reitoria da UFRJ  o júri do concurso para o estudo preliminar do Projeto de Memorial dos estudantes mortos e desaparecidos na ditadura militar. Segundo o edital do concurso os trabalhos apresentados deveriam ser projetos de estudantes de arquitetura, urbanismo e belas artes de todas as universidades do estado do Rio de Janeiro.

O juri foi integrado pelo Prof. Carlos Vainer (Plano Diretor UFRJ 2020),Prof. Luis Fernando Janot (FAU), Profa. Maria da Graça Gama (EBA), Victória Grabois (Grupo Tortura Nunca Mais/RJ) ,Christiana Galvão Ferreira de Freitas (Secretaria Especial de Direitos Humanos ) e presidido pelo Prof. Pablo Benetti (Plano Diretor UFRJ 2020),  nomeados por portaria do Magnífico Reitor da UFRJ, Prof Aloísiso Teixeira.

À TARDE

Os jurados  destacaram a extraordinaria qualidade dos trabalhos, a maturidade demonstrada pelos alunos, as soluções engenhosas e criativas e a compreensão das demandas apresentadas pelo edital. Os envelopes contendo o resultado do concurso foram abertos em 30 de agosto último, durante uma reunião do Conselho Universitário/UFRJ. O júri indicou por unanimidade os seguintes prêmios: menção honrosa para os trabalhos de nº 18 e 24; terceiro lugar – trabalho nº 22; segundo lugar trabalho nº 23 e primeiro lugar – traballho nº 12.

O Prof. Paulo Benetti, assim classificou o trabalho vencedor, criado por um grupo de alunos da Faculdade de Arquitetura e pela Escola de Belas Artes da UFRJ:

Trabalho de enorme criatividade que insere no caminho dos estudantes um local ao mesmo tempo espaço de reflexão e de curiosidade. O contraste entre o relevo plano da praça e um piso irregular onde figuram os nomes dos estudantes mortos e desparecidos faz desta homenagem um canto a liberdade, refirmada pela “floresta” de elementos verticais a procura da vida nas suas múltiplas e variadas dimensões.

À NOITE

A informação está presente no talude inclinado de uma maneira discreta , sem alardes, com simplicidade e extrema beleza. As inúmeras tensões ocasionadas pelos elementos verticais, pela superficie alabeada do piso, pelas fendas pelas quais passa a luz, pelas placas sonoras fazem deste projeto também uma experiência interativa, que certamente terá o valor de preservar a memoria dos estudantes celebrando ao mesmo tempo a vida. 

Por todos estas qualidades o Júri , emocionadamente, concedeu ao trabalho número 12 o primeiro lugar.

O Memorial será erguido na praça em frente ao restaurante dos estudandes “Edson Luís” e sua inauguração está prevista para o dia 10 de dezembro de 2010.


Homenagem a Antônio Sérgio de Matos

A Faculdade Nacional de Direito/UFRJ colocou uma placa em homenagem a Antônio Sérgio de Matos, aluno da instituição, na entrada do prédio da FND. O ato solene realizou-se no dia 1º de setembro na sala do Conselho Universitário com a presença do Pró Reitor de Planejamento – Prof. Carlos Antônio Levi Conceição, do diretor da FND – Prof.. Flavio Alves Martins, do Presidente da OAB/RJ – Dr. Wadih Damous, da Diretora do Núcleo de Estudos em Direitos Humanos (NEPP-DH) – Profa. Mariléa Venâncio Porfírio, da representante do GTNM/RJ – Victória Grabois, dos alunos do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira e de vários companheiros do homenageado.

A cerimônia foi muito emocionante, destacando-se a fala de Julio Cesar Sena, amigo e companheiro de luta de Antônio Sérgio, que representou a família de Antônio Sérgio, dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Antônio Sérgio de Matos nasceu em 18 de fevereiro de 1948, no Rio de Janeiro, filho de Armando Mattos e Maria de Lourdes Pereira Mattos. Fez curso primário na Escola Pública Manoel da Nóbrega; foi um excelente aluno, no curso primário e no ginasial. Ao ingressar no ensino médio até a faculdade trabalhava pela manhã e estudava à noite.

Em 1969, quando cursava Direito na Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), Antônio Sérgio iniciou sua militância política no MAR. Fez parte da Associação de Auxílio aos Reclusos (AURES), que dava, à época, assistência aos presos políticos do Presídio Lemos de Brito. Em agosto de 1969, ajudou na fuga de nove presos políticos da Lemos de Brito, o que lhe forçou a entrada na clandestinidade. Passou, então, a militar na ALN e até fins de 1970 permaneceu na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, deslocou-se para São Paulo, como dirigente regional da ALN.

Juntamente com Manuel José Mendes Nunes de Abreu e Eduardo Antônio da Fonseca, Antônio Sérgio foi emboscado na Rua João Moura, na altura do n° 2.358, no bairro de Sumarezinho, São Paulo, e fuzilado no dia 23 de setembro de 1971.
Assinam o laudo de necropsia solicitado pelo Delegado Alcides Cintra Bueno, os médicos legistas Isaac Abramovitch e Antônio Valentini. Foi enterrado no Cemitério de Perus, como indigente.

Em 1975, sua família conseguiu retirar seus restos mortais e trasladá-los para o Rio de Janeiro, onde foi sepultado no sítio de seus pais, em Macaé (RJ). Os relatórios dos Ministérios da Marinha e Aeronáutica mantêm a versão policial, dada em 1971, de que Antônio teria sido metralhado durante um assalto a um jeep do Exército.

Descrevemos abaixo um trecho da carta enviada por sua mãe à Comissão Especial de Mortos/Desaparecidos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República:

"(...) Um depoimento de uma mãe sincera, que nunca soube odiar a mão assassina que tirou a vida de um jovem que era orgulho dos pais que o queriam muito, por ser ele um exemplo de filho, de aluno, de amigo sincero.
É tudo que posso te contar, pois a vida política dele nós ignoramos por completo, até o dia, ou melhor, a madrugada, que minha casa foi invadida por oficiais armados procurando por ele, e daí em diante sabia pelos jornais e televisão de tudo que o acusavam. “Levamos cinco anos esperando que ele chegasse, e quando fomos ao IML de São Paulo, lá descobri que ele estava sepultado como indigente fazia quatro anos no cemitério de Perus”.


SAUDADES

Patricio Rice


O Grupo Tortura Nunca Mais/ RJ lamenta profundamente o falecimento de Patrício Rice assessor da Linha Fundadora das Mães da Praça de Maio e da Fedefam, ocorrido no dia 15 de junho de 2010. Patrício teve um infarto fulminante no aeroporto de Genebra, após visitar Paris quando estava retornando à Buenos Aires.

Patrício era ex-preso político, abandonou o exercício do sacerdócio para se dedicar às lutas de resistências dos oprimidos, convencido que um mundo justo, solidário e sem discriminações era possível.  Era uma pessoa dinâmica e um militante incansável na luta pelo esclarecimento das mortes e a localização dos restos mortais dos desaparecidos da Argentina, assim como dos demais países da América Latina.

Nossa companheira Victória Grabois, esteve com ele a última vez, no Congresso Internacional Psicosocial e de Exumações realizado no mês de abril em Bogotá/Colômbia. Ela recorda com carinho este companheiro que dedicou sua vida à causa das famílias dos desaparecidos.

Escreveu no livro que organizou com seus companheiros da Fraternidade Carlos de Foucauld “Em meio da Tempestade”, o seguinte:

A respeito da minha prisão, nunca pensei seriamente que algum dia me iria sensibilizar. Até hoje me custa crer como podem ser tão depravados e perversos aqueles que torturam outros seres humanos em estado de total indefesa. Agora sei que é assim e o ser humano tem a capacidade única para a brutalidade e a maldade (...). Se foi uma experiência atroz, também tenho que confessar que descobri Deus em meio a toda a essa dor e incerteza. Nunca me senti verdadeiramente derrotado e acredito que com Fátima presa junto comigo, nesse momento compartilhamos algo muito profundo com nossos irmãos e amigos que hoje não estão conosco” (...).




Reynaldo Andrade de Sá e Benevides

Mais uma testemunha dos anos de chumbo que se vai.

Faleceu no dia 27 de julho, o irmão e advogado do desaparecido político Luiz Alberto Andrade de Sá e Benevides, Reynaldo, que completara na véspera, setenta e três anos. Nascido em João Pessoa/PB, em 1937, gostava muito de celebrar o 26 de Julho, não só porque era o seu aniversário, mas por coincidir com a data da revolução cubana tão emblemática para sua geração.

Com ele, foram sepultadas muitas lembranças tristes de uma luta que empreendeu para livrar seu irmão Bebeto dos três processos em que foi incriminado.

Reynaldo também, como irmão mais velho e advogado, foi fazer o reconhecimento e tentar recuperar o corpo para ser sepultado no Rio, entretanto isto não foi possível, pois ele já fora enterrado em cerimônia noturna no cemitério de Caruaru, junto com sua mulher Miriam Lopes Verbena. O cunhado dela, Aloísio Monteiro, o único familiar presente, foi preso como também sua mulher Adozinda, e continuavam incomunicáveis quando Reynaldo esteve em Pernambuco. Ele voltou com o atestado de óbito, alguns objetos pessoais de Bebeto e a convicção de que a história do acidente estava mal contada. Mais tarde quando tentamos transladar os corpos para o Rio, descobrimos que haviam sido jogados na vala comum e até os livros de registro do cemitério tinham desaparecido.

Seu filho mais moço Rodrigo apresenta outro retrato do pai: Nascido em João Pessoa, filho de Jerusa e José Estácio, primogênito de 7 irmãos, Sonia, Letícia, Dudu, Angela, Lena, Zeca e Bebeto, Reynaldo era nordestino, filho de militar, morou em diversas cidades até chegar ao Rio de Janeiro aos 15 anos e se apaixonar por Copacabana.

Na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, atual UFRJ, criou, com uma dezena de amigos, uma entidade, a LUPBEX, a Legião Universitária para Propagação do Brasil no Exterior, cujo estatuto de criação está, assinado pelo seu presidente, Reynaldo Andrade de Sá e Benevides, então com 19 anos. Esse grupo de jovens universitários, conseguiu chegar no chefe da delegação brasileira na ONU (Osvaldo Aranha) e no Presidente da República (JK) para vender a idéia da divulgação da cultura, dos produtos nacionais e do turismo do Brasil.

Aos 24 anos, numa viagem à França, onde morava parte da família, Tio Orlando e Tia Mocinha, num baile de carnaval de 1962, conheceu a mulher de sua vida, minha mãe, Neide, com quem se casou em janeiro de 1963 e teve 4 filhos. Sempre foram muito unidos nesses 47,5 anos de casamento.

Advogado dos bons, formado pela UB, fez Mestrado em direito comparado na Universidade George Washington, Foi Fiscal do INPS por mais de 2 décadas, foi advogado do BID por 4 anos em Washington, onde moramos de 1972 a 1976. Consultor jurídico da Light. 85-94 Chefe da assessoria jurídica da ALBRAS e consultor jurídico do presidente da ALUNORTE. 11 missões internacionais (Japão e Noruega).

O meu pai era uma pessoa que, para quem o conhecia um pouco, a expressão facial dizia tudo o que ele pensava. Meu pai não conseguia mentir. Alegre, bem humorado, grande orador, grande escritor, “flamengo doente”, matemático, enciclopédia ambulante. Lia muito, tinha opinião sobre tudo. Reynaldo deve ter lido quase 10 mil livros em seus 73 anos de vida.

Honestidade e senso de justiça social foram os valores mais importantes que o meu pai passou para os filhos. Já pelo senso de justiça social muitas vezes foi considerado “comuna”, o que não correspondia à realidade, mas o que nunca o incomodou, muito pelo contrário. Reynaldo nunca se conformou com a incapacidade de uma sociedade em gerar riquezas que pudessem dar um mínimo para todos os cidadãos. Desse ponto de vista ele era socialista. Era um ferrenho defensor da democracia e da liberdade de expressão, sempre teve horror de qualquer regime totalitário.

Lá em casa a conscientização política veio cedo. Voltamos pro Brasil em 1976, no início do processo de abertura política. Embora fosse contra a luta armada – ele defendia a via pacífica – sempre defendeu e apoiou aqueles que lutavam pela coisa certa da forma errada. Agradeço por ter me levado ao comício das diretas, à posse do Brizola, enfim, por nos ter feito entender a importância da política na mudança das condições de vida das pessoas.

Nos últimos 20 anos viajou muito, foi conhecer e revisitar diversos países. Pisou em quase todos os continentes, só faltou a Oceania. Na última viagem passou pela Turquia, Finlândia, Rússia, e até pela Estônia.

Meu pai, Reynaldo, deixa muitas saudades, mas tudo o que ele construiu fica dentro de cada um de nós. Tenho certeza de que ele está num lugar muito bom, muito feliz com essa manifestação de carinho.


Extraído dos textos de seus filhos, Sonia e Rodrigo.