Paraguai

IV Fórum Social das Américas

Declaração da Assembléia dos Movimentos Sociais

Os movimentos sociais presentes no IV Fórum Social das Américas, realizado em Assunção/Paraguai, reafirmam nossa solidariedade e compromisso com o povo paraguaio, diante da urgente necessidade de avançar em seu processo de trocas profundas, até a recuperação da soberania sobre seu território, bem como seus bens comuns, recursos energéticos, na concretização da reforma agrária e a democratização das suas riquezas.

Vivemos em um continente aonde nas últimas décadas, tem se realizado o reencontro entre os movimentos sociais e os movimentos indígenas, que desde os conhecimentos de seus ancestrais e da memória histórica questionam radicalmente o sistema capitalista. Nos últimos anos, lutas sociais renovadas conduziram à saída de governos neoliberais e o surgimento de governos que têm levado a cabo reformas positivas como a nacionalização de setores vitais da economia e redefinições constitucionais transformadoras.

Contudo a direita do continente se está articulando aceleradamente, no sentido de frear qualquer processo de transformação. Segue atuando desde seus enclaves político, econômico, midiático e judicial, somando-se uma nova ofensiva do imperialismo, incluindo seu apoio militar. Desde o fórum anterior – Fórum Social das Américas – realizado na Guatemala em 2008, presenciamos o golpe de estado em Honduras, o aumento da presença militar estadunidense ao longo de nossa América.

Proliferaram acordos de instalação de bases militares, operaram a IV Frota em nossos mares. Isto constitui um esforço sistemático de desestabilização da democracia no continente e cada vez mais se criminaliza os movimentos sociais.

Denunciamos a ilegitimidade do presidente de fato de Honduras, Porfírio Lobo, ao mesmo tempo em que reconhecemos a resistência de seu povo e apoiamos sua luta por uma reformulação constitucional que estabeleça uma verdadeira democracia.

Solidarizamos-nos com a luta do povo do Haiti, que não necessita de uma intervenção militar e sim, sua reconstrução econômica. Exigimos que a soberania do país seja respeitada e que os demais países realizem uma cooperação solidária, nos âmbitos da saúde, educação, agricultura e outras que se fazem necessárias.
Exigimos a anulação incondicional da dívida e rechaçamos o novo processo de endividamento ilegítimo.

Complementando esta ofensiva, continua a onda de tratados de livre comércio em todas as suas variantes. Esta é a característica central da estratégia da União Européia, a outra potencia neocolonial que se opera na América Latina e Caribe. Os braços executores que são as Instituições Internacionais – Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, os bancos regionais de “desenvolvimento” e os grupos bancários privados – estão criando novos e enormes endividamentos com impactos diretos para os povos e para o meio ambiente.

Todas estas ameaças se vinculam com um mesmo modelo de desenvolvimento primário exportador, excludente e depredador que se aprofunda sobre muitos territórios, expulsa populações, provocando o desraizamento e as migrações. A crise sistêmica atual mostra o esgotamento do modelo capitalista e mais especificamente, seus centros de poder: os bancos, as transacionais e os governos do G8. Hoje, mais que nunca estão visíveis seus intentos de arrastar o mundo inteiro a um limite, chegando inclusive, a temer a ameaça de uma guerra nuclear por parte dos Estados Unidos.

A defesa dos bens naturais frente ao capitalismo devorador se tem centrado na agenda de luta cada vez maior das organizações populares e movimentos sociais. Reforçar uma frente comum contra a destruição da natureza e contra as falsas soluções do “ambientalismo de mercado” e do “capitalismo verde”, como os mercados de carbono, os agrocombustíveis, os trangênicos e a geo engenharia, ameaçando o clima.

Denunciamos que os governos dos países do Norte geopolítico, antes de enfrentar os graves problemas das mudanças climáticas estão buscando se esquivar de sua responsabilidade e de desenvolver novos mecanismos de mercado de carbono para ganhar mais, como a “Redução de Emissões pelo Deflorestamento e Degradação” (REDD), que promove a mercantilização e privatização das florestas e a perda da soberania dos territórios. Rechaçamos tais mecanismos.

Exigimos que estes países reduzam suas emissões de gazes de efeito estufa e que se constitua um Tribunal Internacional de Justiça Climática. Reafirmamos as propostas do Acordo de Cochabamba, produto da Conferência Mundial dos Povos sobre os Efeitos Climáticos e pelos Direitos da Mãe Terra, as quais reconhecem que as soluções reais frente ao aquecimento global são: a justiça climática, a soberania alimentar, a recuperação de territórios, a reforma agrária, a agricultura familiar e a integração e solidariedade dos povos.

Os movimentos sociais estão ante uma situação histórica para desenvolver iniciativas de emancipação em escala internacional. Somente as lutas de nossos povos vão nos permitir avançar até o ybymarane'y (terra sem mal) e fazer realidade o tekoporâ (bom viver). Comprometemos-nos a reforçar a luta pela soberania de nossos povos, a soberania da alimentação, a soberania energética e a soberania das mulheres sobre seus corpos e sua vida e pelo reconhecimento da diversidade sexual.

Construímos alternativas que partem dos acúmulos nas lutas de resistência anticapitalistas, antipatriarcal, anticolonial e antirracistas, ao mesmo tempo em que avançamos na busca de outro paradigma centrado na igualdade, no bem viver, na soberania e a integração fundamentada no princípio da solidariedade entre os povos.

Assunção, 15 de agosto de 2010
Nossa América caminha!
¡Ñane Amérika TeeOñemongu' Ehína!

“Pela primeira vez, foi incluída uma frase sobre o direito das mulheres, a autonomia dos nossos corpos e também sobre a diversidade sexual.”

Rogéria Peixinho
Articulação de Mulheres Brasileiras




ARGENTINA

Seminário Latino-americano de Saúde Mental e Direitos Humanos

“Lembrem-se de que cada um de
nós, sozinho, não vale nada.
Sobretudo sejam sempre capazes
de sentir no mais fundo, qualquer
injustiça cometida  contra qualquer um
em qualquer parte do mundo.”
(Carta de Che Guevara a seus filhos)

 

Com esta insígnia, ocorreu de 31 de agosto a 05 de setembro do corrente ano, em Buenos Aires (Argentina), o 12º Seminário Latino Americano de Saúde Mental e Direitos Humanos com a presença de 15 grupos representando países da América Central e América do Sul, todos associados à Red Latinoamericana apoiada pelo IRCT – International Rehabilitation Council Torture Victims – entidade dinamarquesa que há anos realiza trabalhos ligados aos atingidos pela violência do Estado.

O evento, além de possibilitar uma importante troca de informações entre os diferentes grupos latino-americanos, propiciou um conhecimento maior do que se passa na Argentina hoje. Um perverso quadro – muito pouco falado e publicizado – foi mostrado aos participantes do Seminário. Campos de concentração, cerca de 500 crianças até hoje desaparecidas, trabalho escravo, centros clandestinos da repressão em pleno centro de Buenos Aires, terrorismo de Estado, genocídio...

Estes foram alguns dos impactos sofridos pelos participantes.

Há que discutir, procurar saber mais, falar mais, publicizar mais...

O GTNM/RJ esteve presente e levou suas análises referentes ao atual momento histórico brasileiro onde os direitos humanos continuam sendo violados cotidianamente e onde falar do período ditatorial transformou-se em grandes mis-em-scènes midiáticas.

Quadro não muito distante dos demais países latino-americanos ali presentes: o capital vem exercendo sua gestão através de governos ditos democráticos e populares.


Buenos Aires, setembro 2010


URUGUAI



Dia Internacional do Detido Desaparecido em Uruguai
Todos e Todas contra a IMPUNIDADE

No dia 30 de agosto passado foi o Dia Internacional do Detido Desaparecido em Uruguai. Ele foi lembrado por familiares, movimentos sociais e políticos comprometidos com essa causa frente ao local que foi o Centro de Altos Estudos Nacionais (CALEN) no anos 70, durante a época da ditadura militar.

O CALEN dependia naquele período do Ministério da Defesa Nacional, sede do Serviço de Informação de Defesa (SID) das Forças Armadas, que coordenava a ação repressiva entre as três forças: exército, marinha e aeronáutica.

Neste lugar de alto conteúdo simbólico se levantava informação de forma ilegal, eram planejadas as ações de repressão e coordenadas as ações do próprio Plano Condor. Por ali passaram detidos ilegais, foram torturadas pessoas por motivos políticos e eram trazidas cidadão de forma ilegal de outros países.

Uruguai participou ativamente do Plano Condor e as autoridades uruguaias enviavam por via diplomática a lista dos cidadãos “requeridos pela sua militância política no Uruguai”. Eram verdadeiras “condenações de morte” que lançaram como resultado a desaparição de 200 uruguaios que se encontravam majoritariamente na Argentina, mas também no Chile e Paraguai. Esses traslados clandestinos foram confirmados recentemente pelo ex-comandante em chefe da Aeronáutica, brigadeiro Enrique Bonelli e foi documentado pela Armada Nacional o envolvimento em sequestros, torturas e desaparições de militantes opositores.

Ninguém pode negar nem ignorar hoje esses fatos!
Recentemente foram descobertos corpos mutilados de cidadãos declarados desaparecidos na época. Oito militares e policiais foram condenados a 20 e 25 anos de prisão como responsáveis por 28 homicídios com agravantes, por sequestro e traslado clandestino. Os nomes dos responsáveis são: José Nino Gavazzo, Ricardo Arab, Jorge "Pajarito" Silveira, Ernesto Avelino Ramas, Gilberto Vázquez, Luis Maurente, Ricardo "Conejo" Medina e José Sande Lima, e Manuel Cordero que foi extraditado para a Argentina junto com mais de 400 torturadores denunciados. Mas não lhes foi imputado o delito de “desaparição forçada”.

A “Desaparição Forçada” é um crime complexo que supõe a violação de múltiplos direitos humanos como a privação da liberdade militante e a negação ao reconhecimento da detenção com o objetivo de subtraí-la da proteção legal e a tortura da vítima em lugar oculto para que não possam ser denunciados os responsáveis. Os efeitos desta perduram e se amplificam com o tempo. No Uruguai nenhum dos responsáveis foi condenado por este delito e a justiça continua omissa. Até o dia de hoje os juízes não tipificam esses crimes como Crimes de Lesa Humanidade, o Poder Legislativo anulou a lei de Caducidade e o Executivo não criou as ferramentas para investigar os repressores.

A vigência da Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado aprovada pelo Parlamento em 1986 permite a suspensão de todas as investigações das denúncias feitas pelos familiares das vítimas. No entanto houve avanços durante o governo do Dr. Tabaré Vázquez a partir de uma nova interpretação do Artigo 4º desta lei que levaram à investigação de alguns casos e prisão de alguns autores desses crimes. No entanto, o “pacto do silêncio” e a “obediência devida” dos torturadores e assassinos não têm permitido esclarecer as circunstâncias dos mesmos.  Há muitos envolvidos e mais de 400 denúncias.

Apesar de essa lei ter sido declarada anticonstitucional pela Suprema Corte de Justiça em outubro de 2009, assim como pelo poder Executivo e Legislativo, ainda continua em vigor. O que demonstra que enquanto esta lei não seja anulada será impossível avançar na democratização do país.

Por esse motivo todas as organizações sindicais e movimentos sociais e culturais continuam agindo pela defesa dos direitos humanos e contra a impunidade que a Lei de Caducidade permite.

No dia do Desaparecido Político se chamou a permanecer em estado de alerta perante a entrada iminente da lei interpretativa no parlamento e a consigna em Uruguai foi:

POR VERDADE, JUSTIÇA, MEMÓRIA
E NUNCA MAIS AO TERRORISMO DE ESTADO!!!
BASTA DE IMPUNIDADE!
ANULAÇÃO DA LEI DE CADUCIDADE!

 

*Texto modificado parcialmente e traduzido para o português por Patricia Rivero, baseado na proclamação lida por Oscar Urtazún em nome das Mães e
Familiares de Detidos Desaparecidos em Uruguai.