Estatuto do nascituro

Rogéria Peixinho e Kauara Rodrigues*

 

Após muita luta e resistência, foi aprovado um dos maiores retrocessos da legislação brasileira. A sessão da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara – CSSF durou mais de quatro horas, durante a qual houve muitas demonstrações de como os deputados daquela Casa são retrógados, misóginos, autoritários, lesbofóbicos e o pior, como o parlamento brasileiro está totalmente comprometido com os fundamentalismos religiosos... Um verdadeiro show de horrores!

 A CSSF aprovou o substitutivo da deputada Solange Almeida (PMDB-RJ) ao Projeto de Lei 478/07, dos deputados Luiz Bassuma (PV-BA) e Miguel Martini (PHS-MG), que cria o Estatuto do Nascituro. O texto define que a vida humana começa já na concepção, o que em princípio eliminaria a hipótese de aborto em qualquer caso.

Por acordo entre os deputados da comissão, a deputada relatora elaborou uma complementação de voto para ressaltar que o texto aprovado não altera o Artigo 128 do Código Penal, que autoriza o aborto praticado por médico em casos de estupro e de risco de vida para a mãe. No entanto, não foram esclarecidas as dúvidas e os problemas levantados com relação ao Art. 12 do substitutivo que prevê “É vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em razão de ato cometido por qualquer de seus genitores.”

Além disso, o substitutivo traz inúmeros “incentivos” para que a mulher vítima de um estupro não exerça seu direito de interromper a gestação: garante assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico para a mãe; o direito de ser encaminhado à adoção, caso a mãe concorde. E, se identificado, o genitor do nascituro ou da criança já nascida, este será responsável por pensão alimentícia e, caso ele não seja identificado, o Estado será responsável pela pensão, tornando-se cúmplice de um crime hediondo e legitimando a violência. Isso sem falar na desconsideração dos efeitos físicos e psicológicos de um estupro na vida de uma mulher. Ademais, isso pode causar situações juridicamente esdrúxulas como, por exemplo, o genitor estuprador requerer alienação parental, alegando que a mãe não leva a criança para visitá-lo na cadeia e coisas do tipo...

Para justificar a tortura que o projeto submete à mulher quando a obriga a ficar com o fruto de um estupro durante os nove meses de gestação, eles falam que "A criança não pode pagar pelo erro dos pais".  Mas que erro cometeu uma mulher que foi estuprada? E a mulher que tem uma gravidez com risco de vida? Qual foi seu erro?

Esse projeto institui a tortura, e dá ao estuprador "direitos" de pai!!! Um verdadeiro ABSURDO!!!

Em relação à tramitação do Projeto: diferente do que tem sido divulgado pela Agência Câmara, esse PL agora passará a tramitar na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara (que analisará a adequação orçamentária e financeira, já que prevê o pagamento de bolsa estupro pelo Estado). Sendo rejeitado ou não, segue para a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) que analisará o mérito, a constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa. Somente depois (se não for aprovado) passará para Plenário.

Nossa mobilização nacional será fundamental para barrar esse PL, mas lembramos a tod@s que essa é apenas uma peça no tabuleiro dos fundamentalistas, pois existem hoje em tramitação na CSSF mais seis PLs que retrocedem os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Lembramos também que a CPI do aborto está criada e nesse momento faltam só dois nomes para que ela comece a funcionar. Depois de aprovarem o PL na CSSF, o líder do PSDB indicou a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) para integrar a CPI. Com essa indicação fica faltando somente dois nomes, lembrando que o DEM ainda pode indicar um nome, e o PV que não indicou nenhum, pode fazê-lo a qualquer momento, fechando assim a lista de deputados para que a CPI possa funcionar.

Como já anunciado, essa ofensiva conservadora não terá fim e as perspectivas para a próxima legislatura são muito negativas. Precisamos intensificar nossa mobilização, fortalecendo assim a Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, onde estamos todas nós e outros segmentos dos movimentos sociais (como CUT, UNE etc.).

É de fundamental importância a ação desenvolvida no Congresso para impedir retrocessos na legislação atual, com pronunciamentos, notas de vários setores e instâncias jurídicas, além de conseguirmos ganhar novas mentes e corações para essa luta.

*Membros da Articulação de Mulheres Brasileiras