JORNAL DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS / RJ - ANO 24 - N° 71 - abril 2010 |
Audiência de LÍCIO AUGUSTO RIBEIRO MACIEL
“Quem cala sobre o teu corpo Em 19 de fevereiro de 1982, foi ajuizada uma ação de responsabilidade da União, perante a Justiça Federal, no Distrito Federal, na qual 22 familiares de desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia solicitavam o esclarecimento das circunstâncias das mortes, bem como a localização dos restos mortais e os respectivos atestados de óbitos daqueles militantes. A esse processo foi dado o número 108/82. Decorridos sete anos, em 27 de março de 1989, o juiz Vicente Leal Araújo expediu uma sentença em que julgava extinto o referido processo sem julgamento do mérito. Os autores apelaram dessa sentença, em 18 de setembro de 1989, ao Tribunal Regional Federal que, em 17 de agosto de 1993, deferiu o recurso por unanimidade. No entanto, a União recorreu para o Superior Tribunal de Justiça e o processo se arrastou durante vinte e um anos quando, em 30 de junho de 2003, foi assinada a sentença 307/2003 pela juíza titular da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, Dra. Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos, determinando a quebra do sigilo das informações militares de todas as operações referentes à Guerrilha do Araguaia. Em prosseguimento à sentença da Exa. Juíza, no dia 3 de março de 2010, realizou-se audiência da oitiva de testemunha, do Tenente Coronel da reserva, Lício Augusto Ribeiro Maciel, em relação ao caso Araguaia, sendo instruída na 29ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro arbitrada pela Exa. Juíza Dra. Caroline Medeiros e Silva; representado pelo Procurador da República – Dr. Márcio Barra Lima; pelo advogado da AGU – Dr. Murilo Straz; pela advogada das partes – Dra. Suzana Angélica Paim Figueiredo e pela representante dos autores da ação – Victória Grabois. Familiares de mortos e desaparecidos, companheiros e amigos do GTNM/RJ compareceram à audiência. No início da sessão, a testemunha foi advertida sobre as sanções legais que se submetia em caso de falso testemunho. O referido militar escreveu o livro “Guerrilha do Araguaia – Memória de um Combatente” e ao tempo da guerrilha, tinha a patente de Major, lotado no Gabinete do Ministro do Exército, Orlando Geisel, atuando no Centro de Informação do Exército (CIE), ligado à Seção de Operações e Informações. Na época, estava com 40 anos de idade e esteve na região do Araguaia durante seis anos, descobrindo, através de várias informações, onde se encontravam os combatentes. Ao iniciar a arguição declarou que seu depoimento para o jornalista Luiz Maklouf Carvalho que resultou na publicação do livro “O coronel rompe o silêncio”, em 2004 não é baseado em suas memórias. Lício foi o oficial da equipe responsável pela prisão de José Genoino, em 18/04/1972, e sobre este episódio entrou em contradição em alguns momentos. O militar declarou que servia no quartel da Bacaba onde, em 1980, a caravana de familiares ao Araguaia descobriu um cemitério clandestino neste lugar. Durante a audiência, a testemunha se contradisse diversas vezes sobre as mortes dos guerrilheiros: André Grabois, João Gualberto Calatrone, Divino Sousa Ferreira, Antônio Alfredo e Lucia Maria Souza. Afirmou que, por engano, disse a Luiz Maklouf que morreram sete pessoas, quando comandava equipes de combate, mas na realidade foram cinco. Informou que permaneceu na região até 05 de outubro de 1973, quando foi substituído por Chico Dola. Após o combate à guerrilha serviu em Washington e não soube dizer os nomes dos soldados sob seu comando, só se recordando do codinome de um soldado que era uma palavra de baixo calão. Afirmou que o país, atualmente, vive uma situação de “merda”. Neste momento, a despeito de ser advertido das consequências criminais de sua atitude perante o Juízo, a testemunha afirmou que permaneceria calada. Lício Maciel revelou alguns nomes de oficiais de alta patente que participaram da repressão à guerrilha do Araguaia: General Antônio Bandeira; General Milton de Souza; Coronel Carlos Sérgio Torres; General Hugo Abreu, chefe de gabinete do Presidente da República; Coronel Aluísio Madruga, que participou da Operação Sucuri; General Álvaro Pinheiro da Brigada de Paraquedistas, este levou um tiro nas costas; Major ou Capitão Taumaturgo Sotero Vaz responsável por buscar o corpo do Cabo Rosa (morto pelos guerrilheiros); Tenente-Coronel Arnaldo Braga que como ele trabalhava no CIE. Além desses militares, informou ter conhecido Wilson Romão na AMAN tendo tido contato superficial com o mesmo em Marabá. Foi instado a informar sobre os relatórios feitos a seus superiores, Wilson Brand Romão e Léo Frederico Cinele, afirmando que conhecia os dois, sendo seus colegas da AMAN, e não seus superiores; seu superior era o Coronel Carlos Sérgio Torres. Ainda, declarou que fez apenas um relatório, quando retornou da missão no Araguaia ao General Milton Tavares de Souza. Foi o responsável pela instalação de um posto de rádio em Araguaina com a finalidade de triangular a comunicação da rádio Tirana da Albânia; com este monitoramento localizou a origem dos contatos em Imperatriz (MA), Porto Franco (MA) e Araguaina (TO). Advertido inúmeras vezes pela Exa. Juíza que o objetivo da audiência era a localização dos corpos dos guerrilheiros, uma vez que enquanto não forem encontrados o processo permanecerá em aberto. Foi dito à testemunha que a verdade é o único meio de se afastar as mentiras que ela acredita estarem sendo repetidas. Inquirido pelo Procurador da República respondeu: que saiu da área ferido, em outubro de 1973 e retornou após o Natal para mostrar que não havia sido morto. Seu codinome era Dr. Asdrúbal e estima a morte de 80 guerrilheiros na região do Araguaia. O militar é engenheiro de Telecomunicações e criou a estrutura de comunicação via rádio e no primeiro embate do qual participou, morreram três guerrilheiros: André Grabois, João Gualberto Calatroni, e Antônio Alfredo sendo que Divino Sousa Ferreira (Nunes) caiu ferido. Na ocasião, pediu o envio de dois helicópteros, um para o transporte dos mortos e a equipe de identificação, o outro partiu com o depoente, sua equipe e Nunes gravemente ferido rumo à Marabá. Ao relatar a morte de Lúcia Maria descreveu que a guerrilheira estava acompanhada de um garoto que até hoje mora na região, ele deu voz de prisão aos dois. O menino fugiu e Lúcia Maria não atendeu, sacando a arma. Ele atirou acertando o fêmur da combatente; em seguida, houve troca de tiros com os guerrilheiros que estavam cerca de 50 metros do local onde os militares se encontravam. Lúcia caída atirou no depoente e em Sebastião Curió, então a tropa a fuzilou. Curió pediu ajuda pelo rádio para socorrê-lo, sendo transportado para a localidade de São José por quatro soldados de sua equipe. A caminhada durou a noite inteira e os outros militares seguiram com Curió. Segundo o militar, o cadáver da guerrilheira ficou no local e ninguém retornou para resgatá-la. Durante o depoimento, Lício Maciel relatou sua participação em outra missão no estado de Goiás, onde chefiou uma equipe de informação, resultando na prisão e morte de Jeová Assis Gomes do MOLIPO (Movimento de Libertação Popular, cisão ocorrida na ALN – Ação Libertadora Nacional). Os demais guerrilheiros, Sérgio Caposi, Jane Vanini Caposi, Hebert e Otávio Ângelo, também militantes do MOLIPO fugiram. Afirmou ter um relatório sobre o episódio. Foi o único relatório que fez e o mesmo desapareceu, nele constava o nome do traidor do grupo, informou em seu depoimento. Várias vezes inquirido, finalmente afirmou que não sabia da localização dos corpos dos guerrilheiros do Araguaia e instado a dizer a verdade sobre tudo o que conhece, respondeu que os corpos se encontravam de 7º norte a 57º/59º de longitude leste, afirmando em seguida que tal localização era uma brincadeira. Lício Maciel, totalmente, descontrolado disse: “estou com os bolsos cheios de ossos”. Neste momento, a Exa. Juíza chamou sua atenção pela forma debochada do seu pronunciamento, advertindo-o que poderia ser preso. O tenente coronel respondeu: “fui convocado para uma reunião em Brasília em 1970 e após falar mais de uma hora com ‘coronéis barrigudos’, fui indagado por um deles sobre qual a facção dos guerrilheiros”. Respondi que se dirigisse ao Araguaia e perguntasse ele mesmo aos guerrilheiros. Fui preso”. As autoridades presentes disseram-lhe que tinha obrigação legal de responder com veracidade a todas as perguntas que lhe eram dirigidas, ressaltando a conotação histórica de seu depoimento e destacando que o ato não teria qualquer natureza criminal. Durante o interrogatório a autora da ação, os demais familiares e os companheiros ouviram civilizadamente suas respostas irônicas, desrespeitosas e debochadas ao ser inquirido pela Exa. Juíza. A única manifestação por parte dos presentes foi o pranto silencioso, quando a testemunha se referia aos guerrilheiros como “bandidos”, a forma jocosa de indicar a latitude falsa da localização dos restos mortais dos guerrilheiros e a afirmação de que seus bolsos estariam cheios de ossos. Os autores da ação, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos exigem do Ministério Público que diante das considerações feitas pelo militar que desvirtuam o objeto da diligência; pela atitude desrespeitosa perante o Juízo e das afirmações falsas e contraditórias do seu depoimento seja indiciado em uma ação criminal. |