No último dia 30 de setembro, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, em especial o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos, homenagearam 25 alunos e professores da Universidade que desapareceram/morreram durante a ditadura militar.


Mesa da manhã: "Anistia: reparação para não esquecer"

O Seminário “Anistia: reparação e memória” foi realizado com a parceria do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e com o Centro de Justiça Internacional (Cejil), no sentido de contribuir para a construção de uma “outra” história desse período, pois até hoje a nação não conhece a história do regime militar brasileiro iniciado em 1964.

Alguns familiares enfatizaram a importância desta homenagem durante os agradecimentos como Norival Santos da Silva, irmão de Kleber Lemos da Silva, desaparecido na Guerrilha do Araguaia.
“O país que sepulta os erros do passado tem grande chance de cometê-los de novo".


Mesa da noite: "Anistia: uma luta permanente”


A única mãe presente ao evento, D. Gerthurd Mayr, cujo filho Frederico Mayr, um dos poucos opositores do regime ditatorial que teve seus restos mortais identificados e foi enterrado, assim se pronunciou:
“Eu me considero uma felizarda por depois de 20 anos ter recebido o corpo de meu filho e dar um enterro digno a ele".

Também é digno de nota o desabafo de Gilberto Molina, irmão de Flávio Molina:
"Só 34 anos depois, Flávio foi enterrado. Se tivéssemos esses ‘arquivos ocultos’, não precisaríamos ter vivido tantos anos de angústia, não precisaríamos esperar tanto".

A mãe de Flávio morreu um ano depois de o corpo de seu filho ser encontrado e devolvido à família...

Os homenageados foram:

ADRIANO FONSECA FILHO
ANA MARIA NACINOVIC CORRÊA
ANTÔNIO PÁDUA COSTA
ANTÔNIO SÉRGIO DE MATOS
ANTONIO TEODORO DE CASTRO
ARILDO AÍRTON VALADÃO
ÁUREA ELISA PEREIRA VALADÃO
CIRO FLÁVIO SALAZAR E OLIVEIRA
FERNANDO AUGUSTO DA FONSECA
FLÁVIO CARVALHO MOLINA
FREDERICO EDUARDO MAYR
GUILHERME GOMES LUND
HÉLIO LUIZ NAVARRO DE MAGALHÃES
JANA MORONI BARROSO
JOSÉ ROBERTO SPIEGNER
KLEBER LEMOS DA SILVA
LINCOLN BICALHO ROQUE
LUIZ ALBERTO ANDRADE DE SÁ E BENEVIDES
MARIA CÉLIA CORRÊA
MARIA REGINA LOBO LEITE DE FIGUEIREDO
MARIO DE SOUZA PRATA
PAULO COSTA RIBEIRO BASTOS
RAUL AMARO NIN FERREIRA
SÔNIA MARIA DE MORAES ANGEL JONES
STUART EDGAR ANGEL JONES

O GTNM/RJ se solidariza com as famílias dos homenageados e publica as biografias de três estudantes e um professor mortos/desaparecidos durante o regime de exceção brasileiro.

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FERNANDO AUGUSTO VALENTE DA FONSECA

Militante do PARTIDO COMUNISTA REVOLUCIONÁRIO (PCBR)

Nasceu no Rio de Janeiro em 13 de janeiro de 1946, filho de José Augusto Valente da Fonseca e Nathayl Machado da Fonseca. Casado, tinha dois filhos. Concluiu o 2º grau no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Estudava Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e trabalhava no Banco do Brasil (Agência Central). Foi demitido por abandono do emprego quando, em 1970, foi obrigado a viver na clandestinidade pela perseguição implacável que lhe moviam os órgãos de segurança.

Militou na Corrente e no PCBR, chegando a ser membro do seu Comitê Central. Preso em Recife em 26 de dezembro de 1972, foi levado a uma unidade do Exército daquela cidade, falecendo na mesma noite em consequência de torturas. Na ocasião, sua mulher, Sandra Maria Araujo da Fonseca, e seu filho André Luís, de três anos de idade, foram presos pelo DOPS de Recife e mantidos incomunicáveis por 20 dias.


No Rio de Janeiro, já estavam presos três companheiros de Fernando Augusto: José Silton Pinheiro, José Bartolomeu Rodrigues de Souza e Getúlio d’Oliveira Cabral, todos igualmente torturados. Os quatro prisioneiros foram levados a um lugar ermo, onde crivaram seus corpos de balas, para dar a impressão de morte em tiroteio, sendo que José Silton, José Bartolomeu e Getúlio tiveram seus corpos carbonizados. Os presos políticos que, na mesma época, se encontravam no cárcere e no DOI/CODI, em Recife, são testemunhas desse massacre.

O corpo entrou no IML/RJ em 30 de dezembro de 1972, como desconhecido, pela Guia nº 10 do DOPS/RJ. Foi necropsiado pelos Drs. Roberto Blanco dos Santos e Hélder Machado Paupério, que confirmaram a falsa versão oficial da repressão. O Relatório do Ministério da Aeronáutica diz que ele foi morto "dia 29/12/72, no Grajaú/RJ, por seus próprios companheiros, os quais travaram intenso tiroteio com a equipe de segurança que se aproximou do local". Versão também amplamente divulgada pela imprensa em 17 de janeiro de 1973.


MARIA REGINA LOBO LEITE DE FIGUEIREDO

Militante da VANGUARDA ARMADA REVOLUCIONÁRIA PALMARES (VAR-PALMARES).

Ex-integrante da Juventude Universitária Católica, foi aluna do Colégio de Aplicação da atual UFRJ. Era formada em Pedagogia pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Enquanto aluna, teve intensa participação no movimento estudantil. Pedagoga, trabalhou no Maranhão e em Pernambuco pelo Movimento de Educação de Base. Após o golpe de 1964, ingressou no movimento Ação Popular e, posteriormente, na organização Var Palmares. Regina foi casada com Raimundo Gonçalves Figueiredo, assassinado pelas forças da repressão em 28 de abril de 1971. Foi morta aos 33 anos, em março de 1972. Deixou duas filhas menores: Isabel e Iara.

Maria Regina foi ferida quando a casa em que se encontrava, em Quintino, no Rio de Janeiro, foi invadida por agentes do DOI/CODI-RJ no dia 29 de março de 1972. Lígia Maria Salgado Nóbrega e Maria Regina, juntamente com Antônio Marcos Pinto de Oliveira, foram presos e assassinados. O corpo de Maria Regina chegou ao IML pela Guia n° 02 do DOPS, como desconhecida, vindo da Av. Suburbana, n° 8.988, casa 72, Bairro de Quintino (RJ), como tendo sido morta em tiroteio. Entretanto, há testemunhas que afirmam que, após ser baleada na perna, foi levada para o DOI-CODI, onde veio a morrer horas depois, tendo inclusive sido levada para o Hospital Central do Exército.

Sua necropsia, feita em 30 de março de 1972, pelos Drs. Eduardo Bruno e Valdecir Tagliari, confirma a versão oficial. Segundo consta do documento, foi identificada nesse mesmo dia 30, através de ficha do Instituto Félix Pacheco/RJ. No entanto, Maria Regina foi reconhecida por suas irmãs Maria Eulália, Maria Alice e Maria Augusta, em 07 de abril de 1972 quando, segundo estas, o corpo de Maria Regina foi finalmente identificado. Foi sepultada no dia seguinte no Cemitério São João Batista no Rio de Janeiro.

Fotos e laudo de perícia de local (n° 1884/72 e Ocorrência n° 264/72), feitos pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli/RJ, mostram o corpo de Maria Regina baleado. O jornal “Correio da Manhã”, de 06 de abril de 1972, publicou a notícia de sua morte, sob o título “Terroristas Morrem em Tiroteio em Quintino” e, ao lado de sua foto, o nome de Ranúsia Alves Rodrigues, nome que constava do documento que portava. Naquele dia, Maria Regina ainda não havia sido identificada no IML/RJ, porque sobre ela não constava qualquer registro nos órgãos de repressão da ditadura.


RAUL AMARO NIN FERREIRA

Morto aos 27 anos de idade, no Rio de Janeiro.

Formado em Engenharia Mecânica pela PUC/RJ, em 1967. Participou de vários encontros nacionais e internacionais, tendo sido professor assistente do Curso de Engenharia Naval da UFRJ. Quando foi preso trabalhava no Ministério da Indústria e Comércio e se preparava para viajar com bolsa de estudos para a Holanda.

Foi preso pelo DOPS/RJ, na noite do dia 31 de julho para 01 de agosto de 1971, na Rua Ipiranga, bairro de Laranjeiras, quando dirigia seu carro em companhia de outro engenheiro, Saidin Denne. Em 02 de agosto, foi encaminhado ao DOI-CODI/RJ depois de ter sua residência invadida e ocupada pela repressão. A família, nesse dia, o viu ser levado algemado de casa e nada pode fazer. Foi torturado a ponto de ser preciso que o levassem, às pressas, para o Hospital Central do Exército, onde veio a falecer, no dia 12 de agosto.

Sua necropsia foi realizada no próprio HCE pelo Dr. Rubens Pedro Macuco Janine. Inicialmente foi impedida a presença do médico da Organização Mundial de Saúde, Prof. Manuel Ferreira, que havia sido chamado pela família de Raul para acompanhar a citada necropsia. Somente duas horas depois de iniciada, permitiram-lhe que entrasse e, perplexo, viu as sevícias sofridas por Raul: suas pernas e coxas cheias de equimoses. O exame necroscópico não descreve tais lesões.

Em 1979, sua família iniciou processo contra a União, pois conseguiu também o depoimento de um ex-soldado do Exército Marco Aurélio Guimarães, que prestava serviço no DOI-CODI/RJ, na época, e viu Raul Amaro sendo torturado nas dependências daquele órgão da repressão. Há também depoimentos de ex-presos políticos, como Alex Polari de Alverga e Aquiles Ferreira, que o viram no DOPS/RJ.

Esse processo ganhou em 1ª instância e, em 7 de novembro de 1994, o Estado foi responsabilizado pela prisão, tortura e morte de Raul. A família, representada pelo seu advogado, não quis receber a reparação econômica. Pedro Nin Ferreira, um dos oito irmãos de Raul Amaro, assim declarou:
“Nunca imaginamos receber reparação financeira porque o Estado não pode comprar seus mortos, seus assassinatos...” (JB, 8/11/94)

A mãe de Raul Amaro, Mariana Lanari Ferreira, fala de seu filho:
“Sabemos que a entrega do corpo de Raul Amaro foi um “privilégio”, pois não fizeram assim com muitos outros. Raul Amaro foi sempre um homem brilhante por onde passou e tinha um coração boníssimo, sendo lembrado com carinho por todos que o conheceram. Nunca nos conformaremos com o acontecimento e jamais esqueceremos Raul Amaro”.


MARIA CÉLIA CORRÊA

Militante do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B)

Desaparecida na Guerrilha do Araguaia, aos 29 anos. Nasceu em 30 de abril de 1945, na cidade do Rio de Janeiro, filha de Edgar Corrêa e Irene Corrêa. Bancária e estudante de Ciências Sociais na Faculdade Nacional de Filosofia, hoje UFRJ, no Rio de Janeiro.

Em 1971 foi viver na região do Araguaia, onde já se encontravam seu irmão Elmo e sua cunhada Telma, ambos também desaparecidos. Pertenceu ao Destacamento A da Guerrilha – Helenira Resende.

Foi vista pela última vez por seus companheiros no dia 2 de janeiro de 1974 e estava com Nelson Lima Piauhy Dourado, Jana Moroni e Carretel (todos guerrilheiros desaparecidos), quando houve um tiroteio contra os mesmos. Os moradores de São Domingos viram quando Maria Célia foi levada presa, com outros guerrilheiros. Segundo o depoimento de Maria Raimundo Rocha Veloso, moradora na Região, Maria Célia foi presa por “Manezinho das Duas”, que a amarrou e a levou com a ajuda de outro homem para o acampamento do Exército em Bacaba (Transamazônica).

Este depoimento foi confirmado por Geraldo Martins de Souza, delegado de São Domingos na época dos acontecimentos, que recebeu uma medalha do Comando do Exército na região por serviços prestados. Geraldo disse que “Rosinha”, nome com que era conhecida na região, foi presa no local chamado Açaizal.

Santinho, vereador pelo PSDB, em 1991, da Câmara de São Domingos e genro de Geraldo Martins de Souza, diz que eram duas as mulheres guerrilheiras levadas para Bacaba por seu sogro; uma delas era Maria Célia. Em todos estes depoimentos, as pessoas são unânimes em afirmar que ela estava viva e sem ferimentos de arma de fogo, em meados de 1974.


SAUDADES

Morre Victor Valla, professor emérito da Fiocruz

O professor emérito e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Victor Valla morreu no dia 7 de setembro. Victor Valla formou gerações de sanitaristas, enriqueceu o campo da saúde pública com o conceito e as experiências em educação popular. Lutador de causas sociais, exerceu na prática o conhecimento que pregava e ajudou a constituir a identidade da Ensp e da Fiocruz.

Nascido em agosto de 1937 em uma família extremamente católica, ele frequentou escolas religiosas no primeiro e segundo graus. Era o terceiro filho de um total de quatro.

Sem saber nada sobre o Brasil e sem conhecer uma só palavra em português, o jovem americano filiado à congregação católica dos Irmãos de Santa Cruz desembarcou no país num momento em que muitos estavam fugindo: logo após o golpe militar de 1964. Victor Valla acumulou, ao longo de quatro décadas, uma enorme experiência de engajamento político e de trabalho com os pobres, em diversos estados – ele foi um dos raros acadêmicos brasileiros que atuou diretamente com os segmentos mais miseráveis da população, conciliando saber científico e experiência popular. Para Valla, os pobres, mais do que aprender, têm muito a ensinar às elites.

É autor do livro Para compreender a pobreza, que aborda as intervenções dos governos nas favelas, dos anos 40 aos 80. A obra mostra como os projetos governamentais propunham mudanças para as favelas. "Mudanças com as quais os moradores não concordavam porque, como sempre, os intelectuais não têm respostas para eles", afirma Victor, um pesquisador que fez do correto entendimento dos valores e necessidades dos necessitados uma razão de viver.

Valla tinha quatro filhos e dois netos, e era casado pela terceira com a educadora Kita.