“Os passos estão se tornando mais nítidos. Um pouco mais próximos. Agora soam quase perto. Ainda mais. Agora mais perto do que já poderiam estar de mim. No entanto continuam a se aproximar. Agora não estão mais perto, estão em mim. Vão me ultrapassar ou prosseguir? É a minha esperança. Não sei mais com que sentido percebo distâncias. É que os passos agora não estão apenas próximos e pesados. Já estão apenas em mim. Eu marcho com eles”.
(Clarice Linspector).
Lembrar, falar, repetir, enfatizar este pequeno texto de Clarice é para o GTNM/RJ um modo de não perceber apenas as celas, muros, grades visíveis – que crescem assustadoramente – mas também estar atento às celas, muros e grades invisíveis que hoje, mais do que nunca, se fortalecem, nos atravessando e nos constituindo. Daí, nosso propósito em tentar visibilizar cada vez mais a perversidade e letalidade desta política de insegurança pública que incentiva, apóia e respalda os extermínios, os desaparecimentos. Política que pretende manter, em especial no Rio de Janeiro, através do chamado choque de ordem, um constante e cada vez maior controle sobre todos através da produção incessante do medo. E, a grande justificativa desta política de extermínio e controle é a “segurança do cidadão”.
Pensar sobre tal gestão é também pensar as massivas produções de subjetividades presentes em todas essas práticas, ou seja, as competentes produções de determinado modo de ver, perceber, sentir, pensar e agir no mundo considerado como o melhor.
Hoje, nesta sociedade de controle globalizado, entender tais produções torna-se fundamental para que não sejamos capturados por estes “cantos de sereia” neoliberais.
Este número de nosso jornal tenta caminhar por essas duas dimensões que, em realidade, se atravessam e se constituem a cada momento: os aprisionamentos visíveis e os invisíveis. Os episódios que vêem se desenrolando na região onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia, por exemplo, são, a nosso ver, mis-en-scènes midiáticas para que se torne pública nacional e internacionalmente a boa vontade governamental em procurar os restos mortais dos desaparecidos políticos. Ver sobre o tema as três notas do GTNM/RJ neste jornal.
Muitos companheiros marcham hoje acreditando em tais mis-en-scènes, acreditando na boa vontade do governo, não percebendo como tal política tem também a capacidade de, ao produzir tais crenças, nos levar para o caminho da acomodação, do imobilismo e, mesmo, dos aplausos incessantes às medidas populistas e demagógicas que vêem sendo tomadas. Competentes capturas têm sido produzidas e, muitos de nós, vamos sendo seduzidos por elas.
Em nome da “luta contra a impunidade” – slogan utilizado não só pela Rede Globo, mas que hoje está na boca dos conservadores de plantão – tenta-se jogar uma cortina de fumaça no que se refere à afirmação de nossas memórias recentes, à publicização e responsabilização de tais atos que, no passado e no presente, eliminam, ferem e constrangem a Vida.
Paradoxalmente somos capturados por tais discursos/práticas que pregam mais prisões, mais leis duras e repressivas, mais tutela do Estado. Não queremos esta lógica! Nossa luta é pela afirmação, em todos os sentidos da Vida. Aquela foi a lógica corrente durante a ditadura civil-militar e é a lógica que, ainda hoje, impera, acreditando na pena, na lei, na punição, na repressão quando se fortalece, cada vez mais, a fascistização de nosso cotidiano.
Portanto, voltando à Clarice Linspector, é fundamental estarmos atentos a esses processos de subjetivação contemporâneos, pois sutilmente somos levados a marchar defendendo a lógica da intolerância e ajudando com nossas ações o fortalecimento do fascismo social, do totalitarismo presente em nossas pequenas práticas diárias. Tudo isto em nome de nossa segurança, em nome da ainda “segurança nacional”, em “defesa da sociedade”.
Pela Vida, Pela Paz,
Tortura Nunca Mais!
Rio de Janeiro, setembro de 2009
Diretoria do GTNM/RJ