JORNAL DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS / RJ - ANO 23 - N° 68 - JULHO 2009 |
De forma autoritária e sem qualquer diálogo com os moradores, os governos estadual e municipal continuam implementando no Rio de Janeiro sua política de Tolerância Zero, criminalizando e punindo todo e qualquer comportamento que possa ser considerado fora das normas e, portanto, perigoso. Com o pretexto de conter o avanço das favelas em direção a áreas de proteção ambiental, o governo do estado, desde final de março último, implementou uma nova medida fascista: erguer muros no sentido de guetificar mais ainda as populações pobres. Diante dessa e de outras ações que vêm cotidianamente exterminando e criminalizando a pobreza, dezoito entidades e movimentos sociais fluminenses – Justiça Global, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra/RJ, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, Centro de Assessoria Jurídica e Popular Mariana Crioula, Instituto de Defensores de Direitos Humanos, PACS, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Rede Rio criança, Projeto Legal, Coletivo Hip-Hop Lutarmada, Visão da Favela Brasil, Mandato Marcelo Freixo, Observatório de Favelas, Associação pela Reforma Prisional, ISER, APAFUNK, Movimento Direito Para Quem e Central dos Movimentos Populares – em um ato realizado na OAB/RJ, em 14 de maio último, entregaram em mãos do representante da Anistia Internacional, Tim Cahill, o Relatório “Os Muros nas Favelas e o Processo de Criminalização”. Este relatório nasceu da premente necessidade dos movimentos sociais e defensores de Direitos Humanos do Brasil, de tornarem público, nacional e internacionalmente, o processo de criminalização social em curso no Rio de Janeiro. (...) Nesse sentido, buscou-se “reunir informações sobre os instrumentos utilizados em distintos processos de criminalização e elaborar uma análise de recentes casos concretos e emblemáticos acompanhados por organizações de Direitos Humanos e movimentos sociais.” O Relatório de 88 páginas divide-se em 4 grandes seções. Faremos aqui uma sucinta apresentação da primeira parte que versa sobre a política de segurança e a criminalização da pobreza, abordando os seguintes temas: os muros nas favelas, a política de extermínio, as milícias, a criminalização da cultura popular e o chamado choque de ordem. No segundo tópico, estão presentes o processo de violação dos direitos humanos pelas grandes empresas onde são apresentados os conflitos entre transnacionais e comunidades do entorno: o caso dos pescadores artesanais da Baía de Sepetiba e a TKCSA, o caso dos pescadores artesanais da Baía de Guanabara e a Petrobras e, ainda, a questão da Supervia. A terceira seção refere-se às instituições totais onde são abordadas as situações dos sistemas prisionais para adultos e jovens.O último e quarto tópico chama atenção para a criminalização dos movimentos sociais, em especial para o processo movido contra o do Movimento dos Trabalhadores Rurais e Sem Terra (MST) e alguns outros casos emblemáticos. No item política de segurança e criminalização da pobreza, ao se falar sobre os muros nas favelas, o Relatório chama a atenção para os números da violência no Rio de Janeiro, que frequentemente são divulgados na imprensa e em relatórios de pesquisa, que vêm mostrando uma situação alarmante. Diante de um quadro complexo de fatores que se coadunam para a deflagração de conflitos, tem-se testemunhado a implantação de políticas públicas pouco legítimas e ineficazes na solução dos problemas para os quais se dirigem. Um projeto de construção de muros em torno de favelas do Rio de Janeiro está na pauta das políticas do governo do estado. Diante deste quadro, algumas providências já foram tomadas, tais como:
Ainda sobre a política de segurança pública no Rio de Janeiro, a criminalização da pobreza e o extermínio, o Relatório aponta para as incursões da polícia nas comunidades e, em sua decorrência, os casos emblemáticos de extermínio, como o resultado mais cruel de uma política de segurança pública baseada na lógica da criminalização da pobreza e do confronto permanente. A seguir, são apontados alguns casos emblemáticos da política de extermínio, apesar do Relatório chamar a atenção para o fato de que conferir status de “emblemático” a alguns casos de violação de Direitos Humanos é incorrer, obviamente, em uma arbitrariedade. Não é possível – por óbvio – mensurar ou hierarquizar casos que, em sua homogeneidade, tenham como resultado o extermínio. Mas, diante da impossibilidade da análise de todos os casos de extermínio em decorrência de operações policiais, fêz-se necessário definir alguns recortes no sentido de analisar os casos de execução. Nesse sentido, utilizou-se como exemplos emblemáticos aqueles que, de alguma forma, mobilizaram as organizações de direitos humanos na construção de um processo de resistência ao homicídio em voga ou indivíduos e grupos para a participação em processos de reação à política de segurança ora implantada. Uma importante questão levantada neste primeiro item, refere-se à expansão da ação das milícias. Estas milícias são grupos que promovem o controle de diversas comunidades do Rio de Janeiro, principalmente nas zonas Oeste e Norte. “Podemos citar como exemplo de bairros com forte presença de milícias: Campo Grande e Jacarepaguá. Existe um rápido avanço desses grupos para as áreas metropolitanas e municípios próximos da cidade do Rio de Janeiro. As milícias obtêm lucro através da coação armada sobre a população e são formados, em grande parte, por policiais militares e civis, ou mesmo ex-policiais, bombeiros, agentes penitenciários e militares. Tais grupos ampliaram, a partir de 2004, sua ação no estado com a conivência dos poderes públicos (governos estadual e municipal) que entendiam e justificavam a atuação ilegal das milícias como “mal menor” e instrumento auxiliar no combate ao tráfico de drogas. A relação promíscua entre as milícias e poder público é clara, quando esses grupos utilizam equipamento de segurança do estado (viaturas, armas etc.) e contam com a colaboração das forças policiais para dominar comunidades do Rio de Janeiro. Philip Alston, relator especial das Nações Unidas para execuções sumárias, arbitrárias e extrajudiciais, no seu relatório preliminar em decorrência da sua visita ao Brasil, em novembro de 2007, identificou o envolvimento de policiais em organizações criminosas que cometem execuções sumárias, como são as milícias e os grupos de extermínio. Uma outra questão assinalada no Relatório, ainda neste primeiro tópico diz respeito à criminalização da Cultura Popular, em especial ao funk, quando são assinalados alguns casos emblemáticos como o do DJ Tojão do município de Três Rios, onde ocorreu o caso mais forte de perseguição institucionalizada ao funk. Afirma o Relatório que: “há cerca de seis meses ocupada pela polícia militar, a comunidade do Santa Marta, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, está proibida de promover festas em que o funk seja executado.” Na Cidade de Deus, Zona Oeste, outra comunidade onde o mesmo modelo está sendo implementado, idêntica medida foi tomada, sob a mesma alegação. Há ainda, ameaças ao “rapper ‘Fiell’, produtor dos eventos culturais organizados pelo grupo ‘Visão da Favela Brasil’, que vem se destacando como um importante defensor dos direitos humanos na comunidade do Santa Marta tanto a partir de sua interlocução com as organizações de direitos humanos, como pela sua disposição de diálogo com o comando da polícia comunitária local”. Da mesma forma, o Relatório aponta para a Criminalização do Graffiti. Dentro desta política de extermínio e criminalização, o Relatório chama a atenção para o chamado “choque de ordem”. Este, “em vigor desde o dia 5 de janeiro de 2009, executado pela Prefeitura do Rio, tem por objetivo realizar operações de repressão a vendedores ambulantes, flanelinhas, moradores de rua, construções irregulares e publicidade não autorizada. [...] Apesar de o Choque de Ordem ter uma abrangência de ação em todo o município do Rio, suas ações são, majoritariamente, concentradas em territórios ditos nobres como Zona Sul, Barra da Tijuca, Recreio e Centro, áreas das maiores concentrações de riqueza desta cidade. [...] A retirada compulsória da população de rua, destacando-se as chamadas “operações de recolhimento”, tem sido uma política de governo que se perpetua desde o século XIX. Das políticas que passaram por ideais eugênicos, higienistas e de segurança pública, o recolhimento compulsório e sistemático deste segmento da população pressupõe um conteúdo subjetivo discriminatório, classista / elitista de dominação (...). Notadamente, a prática sucessiva do recolhimento da população de rua na cidade do Rio de Janeiro, feita pelo poder público – Tolerância Zero, Turismo Seguro, Lapa Limpa, Cata Tralha, Zona Sul Legal, Copa-bacana, Ipa-bacana, e, mais recentemente, “Choque de Ordem” – inova em sua designação, porém conserva as mesmas práticas desumanas, arbitrárias e violentas de outrora. Não obstante, os recolhimentos da população de rua pouco se mostram eficientes em seus resultados, tão poucos e despreparados os serviços para receber a população recolhida. O que se observa a cada operação é o retorno às ruas daquela população, sem perspectiva alguma de mudança (...). Na verdade, a gestão da cidade do Rio de Janeiro tem sido sempre direcionada para beneficiar uma pequena parcela privilegiada da população carioca, enquanto criminaliza a maior parte de sua população. Este Relatório em sua íntegra encontra-se no site www.torturanuncamais-rj.org.br.
Miliciano participa de seriado da Globo A Rede Globo prestou um grande desserviço à sociedade ao apresentar no seriado “Força Tarefa”, no dia 7, o tema milícia. A série, gravada em Rio das Pedras, teve como ator coadjuvante o presidente da Associação de Moradores da comunidade, conhecido como Beto Bomba, um dos indiciados pela CPI das Milícias e investigado pelo Ministério Público. O novo “ator” da Globo recebeu toda a equipe da emissora e atuou como policial da Corregedoria. “Faltou respeito a todos aqueles que enfrentam as milícias, inclusive aos jornalistas do próprio jornal O Globo, alguns ameaçados. Todo mundo sabe o que significa enfrentar as milícias. E aquele que estamos enfrentando vira ator e faz papel de corregedor!”, indignou-se Freixo, no Plenário da Alerj, no dia 12 de maio de 2009.
A morte de dois jovens de um grupo católico resultou no primeiro protesto popular contra a atuação das milícias. Em 20 de junho último, cerca de cem pessoas se reuniram com faixas em frente ao Centro Comercial de Guadalupe para pedir a apuração da tortura e morte dos estudantes Tales Alexandre Francisco, de 17 anos e Erik de Oliveira Ladeira, de 19, cujos suspeitos são os milicianos que atuam na região. Os manifestantes interditaram parcialmente, por alguns minutos, a Avenida Brasil, uma das principais vias de acesso à cidade. "Não queremos incomodar ninguém, mas apenas que as autoridades notem nosso drama", disse Edgar Antônio Francisco Filho, pai de Tales. Integrantes do Grupo Jovem da Igreja de Santo Antônio em Guadalupe, os jovens se reuniram na noite do dia 13 de junho para jogar videogame. Tales foi visto pela última vez ao se despedir de um amigo às 0h35, mas nunca chegou em casa. O caso da tortura e morte dos jovens foi denunciado à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). No ano passado, a CPI das Milícias da Alerj denunciou a atuação das milícias como grupos de extermínio em regiões pobres onde também cometem extorsão a moradores e comerciantes. A milícia da Favela de Rio das Pedras é suspeita de envolvimento no desaparecimento da engenheira Patrícia Franco, desaparecida desde 14 de junho do ano passado. |