JORNAL DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS / RJ - ANO 23 - N° 68 - JULHO 2009 |
O Dia Internacional de luta contra a Tortura, também conhecido como Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura, foi criado em 1997 pelas Nações Unidas para lembrar a importância da luta para a erradicação desta prática inaceitável, de origem milenar, mas ainda amplamente difundida em todo o mundo. Em mais de cem países, na África, nas Américas, na Europa, na Ásia, no Pacífico estamos Todos juntos contra a Tortura, experimentando nossa força coletiva, construindo nossos laços de solidariedade para com os atingidos. Este dia foi instituído pela Assembléia das Nações Unidas, por solicitação do Conselho Internacional para Reabilitação das Vítimas de Tortura – IRCT, e é comemorado no dia 26 de junho, data em que entrou em vigor a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura. Desde 1998, o GTNM/RJ tem realizado um evento anual por ocasião desta data. Nos últimos dois anos, o tema da reparação, em suas dimensões memória, verdade e justiça, tem sido o escolhido pelas urgências que implicam a sua efetivação em nosso país. E, este ano de 2009, no próprio dia 26, foram realizadas atividades no IAB, Instituto dos Arquitetos do Brasil em torno do tema Anistia: esquecimento e memória. Com a participação da desembargadora Salete Macalós e da professora Cristina Rauter tivemos uma mesa redonda e debate sobre o tema do encontro. Tivemos também uma apresentação de trabalhos de familiares, de afetados diretos pela tortura, morte ou desaparecimento, sob diversos modos de expressão: exposição de fotos, trabalhos de investigação, vídeos, músicas, performances. Ainda neste espaço, o GTNM/RJ lançou neste dia dois livros: Clínica e Política 2: subjetividade, direitos humanos e invenção de práticas clínicas, organizado pela Equipe Clínico Grupal Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, sobre a experiência de trabalho com afetados pela violência do Estado, e 20 anos da Medalha Chico Mendes de Resistência: memórias e lutas, que reúne um histórico e atualização sobre todos os homenageados durante o período de 1989 a 2008. Para a confecção deste livro, foram recontatacdas 219 famílias e/ou representantes dos homenageados ao longo desses últimos 20 anos. Nele, se encontram ainda, além das contextualizações históricas desse período, pesquisa realizada pelo Professor Rubim Santos Leão de Aquino sobre a Medalha do Pacificador, a mais alta comenda do Exército, entregue a muitos torturadores e membros do aparato de repressão cuja lista, em breve, estará em nosso site. (torturanuncamais-rj.org.br). Depoimento Mais de 300 pessoas estiveram presentes ao evento, e várias delas, descendentes e amigos de ex-presos, mortos e desaparecidos políticos fizeram uso da palavra. Os depoimentos foram emocionantes e muito contribuíram para a afirmação das memórias do tempo da ditadura. Como não podemos compactuar com a produção do esquecimento, reproduzimos aqui o depoimento de COLOMBO VIEIRA DE SOUSA JÚNIOR, ex-preso político, sobre seu colega REINALDO PIMENTA, seu companheiro morto durante a ditadura. Amanhã, 27de junho, é o dia em que Reinaldo Pimenta foi assassinado por uma equipe do CENIMAR e do DOPS. Reinaldo foi secundarista nos Salesianos da minha cidade (Niterói), e estudante de engenharia na UERJ. O mês de junho passou a ser um mês de lembranças e relembranças terríveis das prisões, torturas e assassinatos de militantes da dissidência estudantil do PCB, no velho estado do Rio. Queria planejar e executar uma homenagem digna desse nosso herói, na passagem desses 40 anos. Só conseguia me lembrar do que aconteceu no mês de junho, passei então a perguntar a cada companheiro que encontrava e a maioria não se lembrava sequer do mês. Até que há pouco consegui a data exata por um companheiro cuja esposa estava lá no ap da rua Bolívar. Estávamos todos ESQUECENDO! Éramos um grupo de jovens empenhados em construir com companheiros da dissidência do Paraná um foco guerrilheiro no Oeste do Paraná, aos moldes sugeridos por Guevara e teorizados por Regis Debret. Ficamos batizados de MR8 por conta de nossa revista 8 de outubro. E, no primeiro semestre de 69, começaram as prisões no Paraná. A mando de Reinaldo, o nosso comandante Joaquim, percorri várias localidades do país buscando contato com os companheiros que se encontravam desaparecidos e poderiam ter furado o cerco e estar abrigados por esses contatos. Logo soubemos que estavam quase todos presos e sendo torturados no comando do CENIMAR na base da Marinha, na Ilha das Flores, entre Niterói e S. Gonçalo. Reinaldo me passou a decisão da Organização: Agora a prioridade é evitar novas quedas e salvar nossos companheiros que estão sendo torturados, uns na Marinha e outros no Dops da Rua da Relação. "PREPARAR FUGAS E IMPEDIR NOVAS PRISÕES". Assim, Reinaldo se dirigiu ao apto da Rua Bolívar para retirar de lá duas companheiras do Paraná pois sabia da possibilidade do CENIMAR obter aquele endereço a qualquer momento. A repressão já sabia do endereço e prevendo que Reinaldo iria lá, montou uma tocaia com homens da Marinha e do Dops. Segundo o depoimento de uma das companheiras presas no mesmo momento, Reinaldo tentou escapar pela janela por onde passaria para outro apartamento, os assassinos poderiam tê-lo detido enquanto pendurado no batente, mas preferiram derrubá-lo a golpes de fuzil. A perícia lavrou um laudo corroborando com a versão policial de suicídio e apenas um dos legistas assinou. Nossos companheiros estavam esquecendo! Eu estava esquecendo! Se nós esquecermos, ficará para a história o que as matérias da chamada grande imprensa relatam: o suicídio de um líder guerrilheiro que preferiu se lançar do quarto andar de um apartamento de Copacabana, o que efetivamente não aconteceu. IAB, 26 de junho de 2009
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